Transcrição do parecer

Parecer apresentado por Affonso de Dornellas á Comissão de Heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses e aprovado em sessão de 20 de Outubro de 1935.

A Câmara Municipal da Vila da Póvoa de Varzim, dirigiu-se à Associação dos Arqueólogos, para que lhe fossem estudadas as armas, bandeira e selo.

Houve, não se sabe quando, uma pessoa de mau critério, que disse que as armas da Póvoa de Varzim, deviam ser umas que estavam esculpidas sobre a porta da Igreja de Vila do Conde e que consistiam numa cruz de paus nodosos, firmada numa base de uma âncora, tudo envolvido num rosário, tendo no alto, acompanhando os braços da cruz, um sol e uma lua.

Ora, na Igreja de Vila do Conde o que há são emblemas religiosos que nada tem, nem podem ter, com o selo que o Município da Vila da Póvoa de Varzim utilizava para autenticar os seus editais. É tudo uma fantasia, como tantas outras que tem aparecido em idênticas circunstâncias, além disso, parece que não há possibilidade de provar que na escultura da Igreja exista a base da âncora, como nos diz o estudioso Sr. Manuel Silva, a pág. 38 do seu folheto "O Brasão da Póvoa de Varzim" 1925.

Julgo que é relativamente moderna a criação das armas usadas em Póvoa de Varzim, pois, esta Vila foi aldeia da freguesia de Argivai até 1625, em que se desaпехоu.

Era uma povoação de pescadores humildes.

A Igreja matriz de Vila do Conde é manuelina, portanto, anterior à época em que Póvoa de Varzim deve ter adoptado o selo. Não nos parece pois, provável que fossem colocar no frontispício da Igreja de Vila do Conde e acompanhando as armas do Rei D. Manuel, o emblema que Póvoa de Varzim assumiu para selar os editais. são fantasias sem base nem consistência.

O que lá está esculpido é a cruz, representando o calvário, e não uma haste e um cepo de uma âncora, que naturalmente lá não está e, se lá estivesse, seria como símbolo da esperança.

Na simbologia da Póvoa de Varzim pode caber a âncora como emblema da segurança no mar e que simboliza a esperança de salvação.

O sol e a Lua, pode incluir-se como guias e companheiros dos poveiros que andam em permanente luta com o mar.

O Rosário é um atributo religioso de mais para figurar num selo municipal, a não ser quando haja um motivo bastante imperioso.

A Póvoa, que tem um tipo de barco absolutamente seu, que é até denominado poveiro, não deverá ter a sua representação nas armas?

A âncora serve para todos os portos de mar ou centros de pesca é um emblema vulgar.

Um barco de tipo próprio, não é assim tão vulgar que cada povoação de pescadores tenha o seu.

É tão notável a heroica acção dos poveiros, dia a dia em luta com o maior de todos os inimigos, o Mar, que vem merecem que o seu barco de tipo especial, a sua pequena fortaleza, onde lutam com aquele inimigo temível, figure nas suas armas.

A heráldica de domínio é a heráldica popular, significativa apenas do valor do povo, salientando os seus serviços e a sua acção dentro do desenvolvimento da economia geral da Nação.

Havendo elementos do maior valor para simbolisar a vida e o esforço dos naturais de Póvoa de Varzim, que tanto concorrem para salientar os valores regionais? Para que havemos de ir buscar elementos banais, que afinal nada indicam a respeito de uma Vila que tem uma criação absolutamente sua, como são os barcos poveiros?

Seguindo esta orientação, propomos, para caracterizar as Armas bandeira e selo da Vila de Póvoa de Varzim, a seguinte representação simbólica:

ARMAS - De ouro, com uma rede de vermelho. Em contrachefe, seis faixas ondadas, três de verde e três de prata, com um barco vogando de negro realçado de ouro, mastreado e encordoado de negro e vestido de prata, realçado de negro. Âncora de ouro. Em chefe, um Sol de ouro e um crescente de prata. Coroa mural de prata de quatro torres. Listel branco com os dizeres "Vila da Póvoa de Varzim" de negro. -

BANDEIRA - Vermelha. Cordões e orlas de ouro e vermelho. Haste e lança douradas. -

SELO - Circular, tendo ao centro as peças das armas sem indicação dos esmaltes. Em volta, dentro de círculos concêntricos, os dizeres "Câmara Municipal da Póvoa de Varzim" –

Como a rede é de vermelho, a bandeira é desta cor. Quando se destina a figurar em cortejos ou outras cerimónias, a bandeira é de seda e bordada e terá a área de um metro quadrado. Quando é para arvorar, é de filel, com as dimensões convenientes, podendo dispensar as armas.

É indicado o ouro para o campo das armas, para a âncora e para o realçado do barco, por ser o metal mais rico na heráldica e significar nobreza, fidelidade, constância, poder e liberalidade.

O vermelho da rede é o esmalte que significa a força, vida, audácia, guerras, vitorias, ardis, enfim, simboliza aqui a vida dos heroicos poveiros.

O barco, o seu mastreado e encordoado, são de negro, esmalte que simboliza a terra e denota firmeza, obediência e honestidade. O barco representado de negro, significa a terra-mãe que leva os seus filhos a aventura do mar.

Está heraldicamente estabelecido que o mar seja representado por faixas ondadas de verde, alternadas com faixas de prata.

O verde é o esmalte que significa fé e esperança.

O vestido do barco e as três faixas ondadas, são de prata, metal que significa humildade e riqueza.

O sol e a Lua, companheiros e guias dos poveiros, são dos metais próprios.

E assim, com estas peças e estes esmaltes, fica bem representada a história e a vida da Póvoa de Varzim, e a índole e qualidades dos seus naturais.

Se a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim concordar com este parecer, deverá transcrever nas acta a descrição das armas, bandeira e selo, para enviar uma cópia autenticada ao Sr. Governador Civil, com os desenhos rigorosos da bandeira e do selo, pedindo-lhe para remeter esses elementos à Direcção Geral de Administração Política e Civil, para que, no caso do Sr. Ministro do Interior aprovar, seja publicada a respectiva portaria.

Sintra, Setembro de 1935.

Affonso de Dornellas.

(Texto adaptado à grafia actual)

Fonte: Processo do Município de Póvoa de Varzim (arquivo digital da AAP, acervo “Fundo Comissão de Heráldica”, código referência PT/AAP/CH/PVZ/UI0023/00243).